Introdução – Por séculos, a espiritualidade dominante ensinou que a escassez é sinal de virtude e que o não merecimento de bens terrenos seria quase uma qualidade divina. A tradição judaico-cristã, em particular, impregnou o imaginário coletivo com a ideia de que a pobreza aproxima o ser humano de Deus, ao passo que a riqueza o corrompe. Doutrinas e sermões exaltaram a humildade da carência e lançaram suspeita sobre a abundância material. Como resultado, gerações cresceram equacionando pobreza com pureza e riqueza com culpa, presas a uma visão espiritual limitante. Não é de admirar que muitos “bem de vida” se sintam intranquilos e culpados, com a consciência pesada simplesmente por não estarem em penúria. Contudo, essa teologia da escassez é uma distorção: não há nada de intrinsecamente santo na miséria, nem de pecaminoso na prosperidade, como bem apontam vozes dissonantes dentro do próprio cristianismo. É chegada a hora de questionar essa maldição do não merecimento e resgatar uma espiritualidade da abundância legítima.
Dogmas de Carência: Pureza na Pobreza, Culpa na Abundância
Desde os primórdios da Igreja, formou-se uma aura sacrossanta em torno da pobreza material. Versos bíblicos como “Bem-aventurados os pobres de espírito” ou a imagem de Jesus nascendo entre pastores reforçaram a noção de que a falta de posses seria um ideal espiritual. Inúmeros santos e místicos fizeram voto de pobreza e pregaram contra os perigos das riquezas. Por outro lado, os ricos eram advertidos sobre o “camelo que não passa pelo fundo da agulha” e outros alertas evangélicos. Essa ênfase unilateral gerou o que alguns pensadores hoje chamam de “teologia da escassez” – uma mentalidade religiosa que espiritualizou a miséria e demonizou a prosperidade. Tal visão produziu fiéis inseguros para avançar na vida, com medo de prosperar e “parecerem materialistas” ou menos devotos. Como destaca o teólogo Jack Mahoney, certos ditos de Jesus ficaram tão marcados que muitos cristãos abastados “frequentemente se sentem inquietos e perturbados em sua consciência” simplesmente por terem conforto. Em suma, introjetou-se uma culpa difusa pela abundância, um sentimento de não merecimento das dádivas terrenas – como se o sucesso violasse alguma lei sagrada não escrita.
Essa associação automática entre riqueza e pecado, porém, ignora nuances importantes. O próprio Jesus alertava contra o apego às riquezas, não contra a prosperidade em si. A tradição judaica sempre valorizou as bênçãos materiais como sinais da benevolência divina, desde que usufruídas com justiça e compaixão. Há no Livro de Provérbios pedidos por neither poverty nor riches (“não me dês nem a pobreza nem a riqueza”), sugerindo um equilíbrio virtuoso. O extremo oposto da teologia da prosperidade irrestrita (que transforma Deus em um provedor de riquezas sob demanda) não deveria ser a glorificação da penúria, e sim uma espiritualidade do equilíbrio. Como bem resume Edilson de Lira, “não existe nada de belo na pobreza em si, e nem nada de feio na riqueza em si. Não tenha medo de ganhar dinheiro, de enriquecer, e nem sinta culpa por querer prosperar”. A prosperidade pode ser tão legítima quanto a simplicidade – tudo depende do estado interior de quem a possui.
A Árvore da Vida e a Balança do Merecimento Divino
Se a teologia dogmática inculcou o medo da abundância, a Cabala Judaica – vertente mística do judaísmo – oferece antídotos poderosos a essa mentalidade de escassez. Na Cabala, o universo é visto como um fluxo constante de energia divina em que a abundância (conhecida como Shefa) é parte natural da criação. Segundo os cabalistas, Deus criou o mundo por pura bondade, desejando compartilhar de Sua plenitude. “O mundo foi construído com Chesed (bondade)” diz o Salmo 89, e de fato Chesed (a Sefirá do Amor e Graça na Árvore da Vida) representa essa força de amor irrestrito que sustenta todas as coisas. O termo hebraico Shefa, literalmente “abundância”, refere-se ao fluxo de bem que emana dos planos superiores para nutrir nossa realidade. Diferente da visão materialista estreita, Shefa inclui todos os tipos de bênção: iluminação espiritual, crescimento emocional e, sim, recursos e oportunidades materiais. Em outras palavras, para a Cabala a abundância é uma luz divina que permeia a Criação visando enriquecê-la em todos os níveis.
Contudo, esse fluxo de abundância não é caótico nem automático – ele precisa de canais adequados para se manifestar sem destruir o recipiente. É aqui que entra a dinâmica entre Chesed e Geburah, as duas sefirot opostas que formam os pilares da misericórdia e do rigor. Chesed é amor incondicional, a doação infinita; Geburah (ou Gevurah) é a força de restrição, o limite necessário. A Cabala explica que a energia infinita de Chesed precisa ser “filtrada” por Geburah para que os seres finitos consigam recebê-la sem serem anulados. Geburah, a “severidade”, na verdade também é uma forma de bondade, pois delimita a luz para que possamos absorvê-la gradualmente, “cada criatura de acordo com sua capacidade”. Desse equilíbrio nasce Tiferet, a harmonia, que funde a benevolência expansiva com a justiça restritiva para produzir um fluxo compassivo e adequado de bênçãos. Em termos simples: a abundância divina flui melhor quando há equilíbrio entre graça e mérito, entre misericórdia gratuita e estrutura justa.
Essa ideia de balanço cósmico é belamente ilustrada na tradição cabalística pelas Três Mães, as letras primordiais do alfabeto hebraico. Ensina o Sefer Yetzirah que essas três letras formam os pratos de uma balança: um prato do merecimento, outro da culpa, e a coluna central da Lei que os equilibra. Esse símbolo revela uma profunda verdade arquetípica: no universo espiritual, nossos méritos e culpas são pesados; sentir-se merecedor ou não faz toda diferença na realização do nosso destino. A “maldição do não merecimento” nada mais é do que a balança interior pendendo sempre para o prato da culpa – um autojulgamento severo, fruto de séculos de doutrinação, que nos faz crer indignos das bênçãos. A Cabala, porém, nos convida a recentrar essa balança pela consciência. “Nosso ego não é quem realmente somos”, explica o Zohar; o ego é uma máscara que oculta nossa luz verdadeira. Ao superar o ego limitado – com seus medos, culpas e crenças de escassez – recuperamos nosso poder inato de co-criar com o Divino. De acordo com os cabalistas, a humanidade foi destinada a ter controle sobre a natureza física, a dominar as forças do mundo com sabedoria; o único obstáculo é justamente o ego desequilibrado. Quando dominamos esse eu inferior, tornamo-nos aptos a manejar as chaves da abundância.
Na prática, a Cabala ensina que o fluxo de Shefa responde à nossa atitude interna. A abundância divina é oferecida, mas depende da receptividade e do merecimento sentido pelo receptor. “Se há verdadeira necessidade de bênção em nossas vidas, precisamos buscá-la ativamente”, diz o rabino Fisdel, “viver de modo que nos tornemos merecedores da bênção e estarmos completamente abertos para recebê-la”. Com esse movimento proativo de baixo (nossa busca e preparo), a energia ascende e reverbera em Hesed, que então responde aumentando o fluxo de Shefa proporcionalmente. Ou seja, ao nos abrirmos para receber e reivindicarmos nossa parcela do bem, o universo responde com generosidade. Não se trata de exigir de Deus, mas de eliminar a autocensura que recusa os presentes divinos. O Criador já desejava nos dar “um cálice transbordante”; somos nós que, com crenças de escassez, estendemos copos pequeninos. Expandir nosso “recipiente” interior – com gratidão, propósito e senso de dignidade espiritual – é permitir que mais Shefa flua. Merecer não é pecado, é alinhar-se com a abundância que sempre foi nossa por herança.
Reprogramando Símbolos: Magia do Caos e a Libertação de Crenças
Mesmo munidos desse entendimento místico da abundância, muitos de nós ainda enfrentam bloqueios subconscientes – resíduos daquela teologia da escassez entranhada na psique. Como então quebrar efetivamente a maldição do não merecimento no nível psicológico profundo? Nesse ponto, ensinamentos heterodoxos e mágicos podem complementar a jornada espiritual. A Magia do Caos, uma corrente ocultista contemporânea, propõe técnicas arrojadas de reprogramação simbólica que visam reconfigurar crenças limitantes no inconsciente. Diferentemente das tradições dogmáticas, a Magia do Caos parte do princípio de que a crença é uma ferramenta maleável, não uma verdade absoluta – “nada é verdadeiro; tudo é permitido” é uma de suas máximas. Isso significa que o magista do caos se dá licença para mudar de paradigma conforme necessário, adotando crenças que o empoderem e abandonando as que o limitam.
Uma das práticas centrais dessa magia é a criação de sigilos, que pode ser vista como uma forma de “hacking” do subconsciente. Os sigilos mágicos são símbolos personalizados carregados de intenção, criados pelo próprio praticante a partir de um desejo específico. O processo clássico envolve escrever a afirmação do desejo (por exemplo, “Eu sou digno de todas as bênçãos”), eliminar as letras repetidas e estilizar as restantes em um glifo abstrato e único. Esse sigilo, por não ser reconhecível racionalmente, contorna as defesas lógicas da mente e fala diretamente à psique profunda. Em seguida, o magista carrega energeticamente o sigilo – tipicamente entrando em estado de gnosis (transe meditativo, êxtase ou concentração extrema) – fixando o símbolo no inconsciente num momento de pico emocional ou mental. Após carregá-lo, ele “esquece” o sigilo conscientemente, deixando que a semente simbólica atue nos estratos ocultos da mente.
Em termos simples, o sigilo funciona como um comando secreto implantado no interior do ser: ele codifica a intenção (por exemplo, “eu mereço prosperar”) e a envia para o inconsciente para manifestar aquele desejo sem as interferências da dúvida e da culpa. Trata-se de uma reprogramação simbólica deliberada – um rito pelo qual suplantamos a antiga crença (“não mereço”) por uma nova programação escolhida. A eficácia dessa técnica reside justamente em driblar o sabotador interno (fruto de anos de catequese na escassez) e instaurar uma nova metaconvicção. Assim, a Magia do Caos nos dá ferramentas pragmáticas para desfazer maldições autoimpostas: através de sigilos, visualizações, criação de novos mitos pessoais e outros métodos, podemos desprogramar o arquétipo do “indigno” dentro de nós e instalar o arquétipo do Soberano merecedor de Shefa. É um caminho de autotransformação que complementa o entendimento espiritual – afinal, de nada adianta saber intelectualmente que somos filhos abundantes do Divino, se em um nível profundo continuamos a agir como mendigos espirituais. Com a magia do caos, passamos da teoria à prática, gravando em nosso ser a certeza simbólica do merecimento.
Goétia: Evocando Forças para Manifestar Desejos Legítimos
Outra vertente esotérica que nos auxilia a reivindicar nosso poder co-criador é a antiga arte da Goétia – a evocação de espíritos para realizar trabalhos desejados. À primeira vista, a Goétia (parte central do Lemegeton, ou Clavícula Menor de Salomão) pode parecer estranha neste contexto: o que teriam a ver antigos demônios com prosperidade e merecimento? Mas se olharmos além da superfície supersticiosa, encontramos na Goétia poderosos insights sobre autoridade pessoal e manifestação, que podem ser entendidos tanto literal quanto psicologicamente.
Tradicionalmente, a Goétia Salomônica é descrita como um conjunto de técnicas cerimoniais para evocar 72 espíritos (daemones) e obrigá-los a servir ao magista. O grimório instruía como traçar círculos, entoar palavras de poder e usar selos sagrados a fim de chamar tais entidades e “realizar os desejos solicitados” conforme a especialidade de cada espírito. Em termos simples, o mago evocador estabelece contato com forças invisíveis e as coloca a seu favor, manifestando no mundo material aquilo que ele deseja (seja conhecimento, prosperidade, amor, etc.) – sem permitir que essas forças o dominem. Esse último ponto é crucial: a evocação goética bem-sucedida implica que o praticante mantenha sua soberania, protegendo-se dentro do círculo mágico e compelindo o espírito a obedecer sob juramentos pelo Nome Divino. Ou seja, a chave aqui não é fazer pacto servil com demônios, mas afirmar uma autoridade espiritual tão grande que até as potências ocultas se curvam. Quem se acha indigno jamais terá tal autoridade – e é por isso que a Goétia nos desafia a adotar o trono do rei Salomão dentro de nós.
Há interpretacões modernas, inclusive de ocultistas famosos, que entendem esses “espíritos” de forma simbólica: partes do nosso próprio inconsciente projetadas externamente. Aleister Crowley chegou a afirmar que “os espíritos da Goetia são partes do cérebro humano”, e que seus selos e nomes são basicamente ferramentas para estimular partes específicas da psique e estabelecer controle sobre elas. Sob essa ótica, evocar um demônio como por exemplo Bune (associado a riqueza) seria, em última instância, ativar em si mesmo o poder de gerar e gerir riqueza. Evocar Leraje para “acabar com conflitos” seria ativar sua própria capacidade de mediação e cura de discórdias. Ou ainda, chamar Belial (espírito da independência e ambição) significaria despertar sua força de liderança inata. Essa visão “psicológica” não tira a validade da prática – ao contrário, dá-lhe uma dimensão de auto domínio muito relevante. Manifestar desejos legítimos através da Goétia, então, pode ser visto como o ato de chamar ao palco da consciência todas as facetas interiores necessárias para realizar aquele objetivo e integrá-las sob a vontade do Eu superior.
Por outro lado, mesmo a leitura espiritual literal pode ser inspiradora. As histórias lendárias de Salomão domando demônios contêm um arquétipo poderoso: o sábio soberano que transforma as forças das trevas em aliados para a Luz. Diz uma lenda midráshica que “nunca existiu um homem tão privilegiado quanto Salomão para tornar os demônios submissos à sua vontade. Deus dotou-o da capacidade de transformar o poder perverso dos demônios em poder que operasse em benefício dos homens”. Essa frase, rica em significado, nos mostra Salomão como alguém que não tinha medo do poder, que não se sentia indigno de comandar até mesmo os seres infernais – pois reconhecia que sua autoridade vinha de Deus. Em outra passagem, o arcanjo Miguel entrega a Salomão um anel gravado com o Nome Santo e diz: “Com este selo encerrarás todos os demônios da terra... e com a ajuda deles edificarás Jerusalém”. A imagem de construir a Cidade Sagrada com a ajuda dos demônios domados é profundamente simbólica: significa colocar nossas sombras para trabalhar a serviço da luz, empregar até as energias mais densas (que antes nos roubavam energia, como o espírito malicioso na lenda) para erguer algo de valor espiritual. Isso somente é possível quando assumimos o posto de comando – quando nos vemos merecedores do próprio poder.
Portanto, a Goétia nos desafia a perguntar: “Quais forças (externas ou internas) eu ainda temo ou acredito que não tenho o direito de mobilizar?” Que parte de mim precisa ser evocada e integrada para eu manifestar meu desejo mais genuíno? Pode ser a coragem, a astúcia, a paixão, a disciplina – arquétipos psicológicos muitas vezes demonizados pela religião convencional, mas que, reconciliados, viram motores de realização. Princípios da Goétia, como delinear com clareza seu intento (traçar o círculo), convocar pelos nomes certos (identificar exatamente que qualidade ou ajuda se busca) e usar a autoridade divina (agir de consciência limpa e propósito alinhado ao bem), podem ser aplicados em nossa auto-transformação. Ao invés de orar humildemente para que algo aconteça, o mago declara e ordena, confiante de sua legitimidade em co-criar a realidade. Essa postura, longe de ser blasfema, é na verdade uma expressão da centelha divina em nós – “vós sois deuses”, dizia o Mestre no Evangelho. Quando o desejo é legítimo (alinhado com nossa verdadeira vontade e com o bem maior), então evocá-lo das profundezas ao mundo é um ato de magia divina, não de soberba. Quebrar a maldição do não merecimento inclui ousar comandar nosso destino, em vez de implorar migalhas do universo.
A Clavícula de Salomão: Arquétipo do Poder e do Merecimento Espiritual
Finalmente, não há símbolo mais apto para sintetizar tudo isso do que a própria Clavícula de Salomão – o lendário “Livro das Chaves” escrito (segundo a tradição) pelo Rei Salomão, contendo segredos para comandar espíritos e desvendar mistérios celestiais. Independentemente de quem realmente compôs esse grimório medieval, seu valor simbólico é imenso. A Chave de Salomão representa, por excelência, o arquétipo da soberania espiritual aliada à sabedoria. Salomão, o monarca que governou Israel no auge, é retratado não apenas como um governante rico e poderoso, mas sobretudo como o mais sábio dos homens, aquele que pediu a Deus sabedoria em vez de bens – e por isso recebeu sabedoria, riqueza e glória em abundância. Temos nele um exemplo de que iluminação espiritual e prosperidade material não são excludentes, mas complementares quando se está alinhado com a vontade divina. Salomão foi considerado digno de ambas.
Na iconografia esotérica, o chamado Selo de Salomão (o hexagrama ou pentagrama inscrito no anel real) é símbolo de autoridade sobre os mundos visível e invisível. Não por acaso, a Clavícula está repleta de pentagramas, círculos mágicos, nomes de Deus e anjos – tudo indicando que o poder legítimo emana do Alto, e quem o detém por concessão divina não precisa temer nenhuma sombra. O arquétipo do “mago-rei” Salomão é justamente o daquele que se sabe merecedor de empunhar a chave do poder, porque tal poder será usado com sabedoria e misericórdia. Ele não se sabota com indignidade falsa; ele aceita o manto régio que lhe foi dado. Espiritualmente, cada buscador é convidado a fazer o mesmo: reivindicar sua Chave. Isso significa reconhecer-se co-herdeiro do Reino (na linguagem cristã, “co-herdeiro com Cristo” – curiosamente, mesmo o devoto mais humilde admite ser herdeiro das promessas celestes). O oposto da maldição do não merecimento é sentir-se merecedor das chaves do reino, seja o reino divino, seja o “reino” de nossa vida pessoal.
A Clavícula de Salomão também pode ser vista como um mapa da alma empoderada. Em suas páginas (segundo relatos) encontram-se rituais de purificação, orações penitenciais, jejuns e preparação moral para que o operador esteja apto a contatar o divino e subjugar o maligno. Ou seja, o livro enfatiza que somente através da pureza de intenção e do merecimento espiritual pode-se acessar o poder. Isso reforça a mensagem: poder e merecimento caminham juntos. O verdadeiro merecimento não é um capricho egoico, mas sim sintonia com as leis superiores. Quando nos purificamos da negatividade, quando alinhamos nosso desejo com nosso propósito de alma, tornamo-nos “merecedores” no sentido mais puro – aptos a usar as chaves mágicas (sejam fórmulas sagradas, sejam talentos natos) para moldar a realidade. A Chave então destranca portas internas e externas: portas da percepção, portas de oportunidades, portas entre os mundos.
Em termos arquetípicos, Salomão é aquele que uniu em si o Céu e a Terra. Ele comandou 72 demônios (forças ctônicas da Terra) usando o Nome de Deus (autoridade do Céu). Ele construiu um Templo material que fosse habitação do Nome sagrado. Da mesma forma, nós somos chamados a integrar os opostos: reconhecer que somos pó da terra e sopro divino ao mesmo tempo, e que justamente por isso podemos exercer domínio sobre o mundo dual. A Clavícula (chave) sugere solução de enigmas: ela nos incita a decifrar o enigma de nós mesmos e assim reivindicar o tesouro guardado. No contexto desta discussão, a chave de Salomão nos diz: você tem permissão para prosperar, para comandar sua vida, para manifestar seus desejos mais genuínos – desde que use essa chave com consciência e coração puro. Não se trata de legitimar ganância ou egoísmo (Salomão não pediu riqueza por vaidade, mas recebeu-a como bônus pela sabedoria). Trata-se de romper o encanto oposto: a falsa modéstia que recusa os dons e, no fundo, negligencia a própria missão de alma.
Despertar do Buscador – Quebrando a Maldição do Não Merecimento
A jornada que traçamos aqui – da crítica à teologia da escassez até os horizontes da Cabala, da magia do caos, da Goétia e do arquétipo salomônico – converge para uma conclusão poderosa: é hora de quebrar a maldição ancestral do não merecimento. Cada leitor que se identifica como um Buscador no caminho espiritual é conclamado agora a despir as correntes sutis dessa velha crença. A escassez não é sinônimo de santidade; a culpa não é passaporte para o Céu. Podemos honrar a simplicidade sem glorificar a miséria; podemos aspirar à abundância sem nos corromper por ela. O verdadeiro buscador compreende que o universo é abundante por natureza – e que nós fazemos parte desse fluir generoso de vida.
Quebrar essa maldição requer um ato interno de profunda magia: o rito de passagem do mendigo ao herdeiro, do servo acorrentado ao rei sábio no centro do próprio ser. Significa equilibrar em nós a Chesed e a Geburah – sermos compassivos e generosos, mas também justos conosco mesmos, capazes de dizer “basta” à voz interna que nos sabota. Significa redesenhar os símbolos do nosso destino: apagar o sigilo oculto de “eu não mereço” que por tanto tempo governou nosso inconsciente, e gravar um novo selo, luminoso, afirmando “Eu Sou digno e estou pronto para receber”. Significa evocar nosso gênio interior, nossos anjos e até demônios pessoais, e integrá-los ao trabalho único que viemos realizar – transmutando medos em aliados, sombras em força motriz. Enfim, significa tomar posse da Chave que abre as portas do potencial pleno.
Em última instância, essa chave sempre esteve ao nosso alcance, esperando que tivéssemos a coragem de usá-la. Como ensina a Cabala, o Shefa da graça divina está disponível a todo momento, mas cabe a nós abri-nos para pedi-lo e recebê-lo. O chamado à ação espiritual aqui é um chamado à lembrança: lembrar quem somos em essência – não órfãos indignos, mas centelhas do Infinito, co-criadores aprendizes. O arquétipo do Buscador desperto diz “sim” à própria grandeza humilde: ele busca, encontra e reivindica a bênção, não por ego, mas para cumprir seu papel no grande desenho.
Portanto, caro leitor, ouse agora quebrar esse encantamento antigo. Perdoe as gerações passadas que, talvez por medo ou incompreensão, associaram virtude à pequenez. Honre suas lições, mas siga adiante. Use do discernimento de Salomão para separar a falsa modéstia da verdadeira humildade. Erga-se no círculo mágico de sua determinação e chame pela abundância que é sua por direito de consciência. Sinta, a cada passo, a balança inclinando-se ao prato do merecimento – não por orgulho vão, mas porque você finalmente se alinha com a Verdade: a Vida quer te dar “vida em abundância”.
Que a teologia da escassez se transmute, em você, na teologia da plenitude consciente. E que a maldição do não merecimento se quebre agora, dando lugar à Bênção do Merecimento Sagrado – aquela certeza serena de que, sendo filho do Divino, você merece tudo o que é necessário para florescer. Desperte o buscador, tome a chave em mãos e abra as portas de um novo destino onde a pureza e a prosperidade andam de mãos dadas. O Reino é seu – entre e tome posse com gratidão.
Referências:
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Teologia da escassez e culpa na riqueza, em perspectiva cristã.
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Conceitos cabalísticos de Shefa (abundância) e equilíbrio entre Chesed e Geburah.
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Técnicas da Magia do Caos e reprogramação por sigilos.
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Princípios da Goétia salomônica: evocação de espíritos e autoridade do magista.
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Lendas de Salomão controlando demônios e simbolismo do anel/Chave de Salomão.
Mais uma aula primorosa!
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