A prática da Goétia, como muitas outras tradições mágicas, tem suas raízes muito antes das compilações medievais de grimórios. A palavra "Goétia" deriva do termo grego antigo "goēs", que se referia àqueles que realizavam encantamentos e comunicações com os mortos, espíritos e daimones. Nos tempos antigos, particularmente entre os gregos, círculos e triângulos eram usados em oráculos para falar com os mortos e invocar espíritos. Essas práticas eram vistas como uma forma de adquirir sabedoria, orientação e, em alguns casos, poder sobre o destino. O contato com entidades espirituais não era um tabu, mas uma arte respeitada e buscada por aqueles que desejavam obter respostas que transcendessem o mundo físico.
Com o passar do tempo, à medida que o Cristianismo ganhou força, a visão sobre essas práticas foi deturpada. Os monges medievais, ao compilar obras como o Ars Goetia, um dos livros da coletânea Lemegeton, e outros grimórios famosos como as Clavículas de Salomão e o Grimorium Verum, começaram a reinterpretar os antigos ensinamentos. O que antes era uma forma de buscar iluminação e conhecimento passou a ser visto como um pacto com o mal, uma tentativa de subverter a ordem divina imposta pela Igreja. Entidades como Bael, Paimon, e Astaroth, que eram daimones originalmente neutros, foram rotulados como "demônios", criaturas malévolas cujo único propósito era corromper e destruir.
É importante reconhecer que esses grimórios foram escritos em uma época em que a Igreja controlava rigidamente o acesso ao conhecimento. Os monges e clérigos que os compilaram estavam mais interessados em preservar sua própria autoridade espiritual do que em transmitir um entendimento claro da verdadeira natureza dessas entidades. Ao inserir juramentos e conjurações elaboradas, eles transformaram a arte da evocação em algo que parecia perigoso e assustador, mantendo o poder nas mãos dos poucos que se diziam capazes de dominar tais forças.
Mas a verdade é que a Goétia, assim como outras formas de magia espiritual, não se resume ao controle de entidades ou ao medo de represálias sobrenaturais. A prática, em sua essência, é uma forma de comunicação com diferentes aspectos do universo espiritual, sejam eles demônios, deuses ou ancestrais. A demonização da prática por parte da Igreja medieval foi, em grande parte, uma forma de manter a população sob controle. No entanto, uma leitura mais atenta dos textos originais revela que esses seres não são intrinsecamente malignos; são, em vez disso, reflexos de forças naturais, arquétipos e até mesmo aspectos da psique humana.
Aqui é onde a magia do caos entra em cena. Ao contrário da magia tradicional, que se apega a fórmulas e rituais fixos, a magia do caos é fluida, adaptável e centrada no poder da intenção. Peter Carroll, em suas obras como Liber Null, e Ray Sherwin em The Book of Results, enfatizam que a eficácia mágica reside não nos detalhes complexos de um ritual, mas na habilidade do praticante em atingir um estado alterado de consciência e focar sua vontade. Isso significa que você pode simplificar drasticamente o processo de evocação, sem perder a eficácia.
Os 72 daemons da Goétia, listados no Ars Goetia, são apenas um ponto de partida. Paimon, por exemplo, é descrito como um rei poderoso que pode conceder sabedoria, conhecimento e comando sobre outros espíritos. Tradicionalmente, ele é evocado com uma série de conjurações e o uso de um triângulo de evocação complexo. Mas, ao adotar a abordagem da magia do caos, você pode simplificar esse ritual sem comprometer os resultados.
O segredo está em entender que o triângulo, o círculo, os selos e até mesmo as palavras de poder são apenas ferramentas para concentrar a sua mente e sua intenção. Se você estiver confortável e seguro em seu próprio espaço sagrado, pode utilizar apenas uma vela, um incenso, o selo de Paimon desenhado em um pedaço de papel e um triângulo de evocação impresso em uma folha A4. O que importa é a clareza do seu propósito e a capacidade de entrar em um estado de gnose — uma concentração profunda onde a mente consciente e a inconsciente se alinham.
E aqui está a grande revelação: você não está limitado aos 72 daemons da Goétia. Ao adotar a filosofia da magia do caos, você pode evocar qualquer espírito ou divindade que ressoe com sua intenção. Quer sejam deuses sumérios como Enki e Inanna, divindades hindus como Ganesha e Kali, ou mesmo orixás da matriz africana como Exu e Iemanjá, o princípio é o mesmo. Tudo o que você precisa fazer é adaptar os elementos do ritual para se alinhar com a natureza da entidade que deseja invocar.
Por exemplo, se você deseja evocar Paimon para obter sabedoria ou orientação, tudo o que precisa é de uma vela (preferencialmente azul ou dourada, que são suas cores simbólicas), incenso de mirra para purificar o ambiente, o selo de Paimon desenhado ou impresso, e um triângulo de evocação também impresso em papel A4. Antes de começar, faça um banimento simples, como o Ritual Menor do Pentagrama, para limpar o espaço e a sua mente. Em seguida, acenda a vela e o incenso, e coloque o selo de Paimon no centro do triângulo. Concentre-se no símbolo, respire profundamente e entre em um estado de gnose. Ao recitar a enn de Paimon ("Linan tasa jedan Paimon"), visualize sua presença se manifestando na fumaça do incenso.
A beleza desta abordagem é que, ao simplificar o ritual, você está eliminando as distrações e focando apenas no que realmente importa: a conexão espiritual. Isso também significa que você pode adaptar a estrutura para outras entidades. Se estiver invocando uma divindade hindu, por exemplo, pode usar mantras específicos em vez de enns. Para orixás, pode ser mais apropriado utilizar cantigas tradicionais ou elementos como água salgada ou ervas específicas.
Conclusão: Pratique Sem Medo
Chegamos agora ao ponto onde é necessário desafiar suas próprias crenças e medos. A prática da Goétia e a evocação de espíritos não é algo a ser temido, mas uma oportunidade de crescimento espiritual e empoderamento. Esqueça os terrores medievais que os monges tentaram incutir em nossos antepassados. Ao simplificar os rituais e adaptar a prática aos tempos modernos, você está retomando o poder que sempre foi seu.
Pegue uma vela, um incenso, um pedaço de papel e comece agora. Imprima o selo de Paimon ou de qualquer entidade que você deseje contatar, desenhe um triângulo, e simplesmente faça. Não se prenda aos detalhes arcaicos e às superstições que foram empilhadas sobre essas práticas ao longo dos séculos. A verdadeira magia está na sua intenção e no seu desejo de explorar o desconhecido.
Você tem a coragem de desafiar o status quo e abraçar a magia em sua forma mais pura e descomplicada? Então vá em frente. Os espíritos aguardam o seu chamado — e estão mais do que dispostos a compartilhar seus segredos com aqueles que têm a audácia de perguntar.
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