A promessa cristã de um reino de riquezas no além é, em sua essência, uma estratégia subversiva para domesticar o espírito humano. A insistência em que "o mundo jaz no maligno" e na recusa de acumular riquezas aqui é um convite velado para que o indivíduo aceite o papel de coadjuvante em sua própria vida. O cristianismo oferece um manual de instruções para abraçar a mediocridade, um convite para que cada um seja um bom e obediente membro do rebanho. Afinal, você não precisa ser leão, não é mesmo? Basta seguir o pastor.
Esse modelo promove uma abstenção da capacidade humana de construir sua própria realidade. A ideia de que a riqueza terrena é irrelevante não apenas aliena o fiel do desejo natural de prosperar, mas o faz abraçar um tipo peculiar de impotência espiritual. Em vez de lutar pela transformação pessoal e material, o crente é encorajado a colocar todas as suas esperanças no "tesouro celestial". As palavras podem ser doces e reconfortantes, mas escondem a dura realidade de uma vida não vivida, onde o poder pessoal é sacrificado em nome de uma promessa incerta.
As igrejas, aliás, fazem questão de deixar claro que você não é um agente autônomo da sua própria jornada: você é uma ovelha. O papel de ovelha não é desonroso no vocabulário religioso — muito pelo contrário, ele é exaltado como um ideal. Ser ovelha é obedecer, confiar cegamente e seguir a orientação do pastor, uma figura humana que é investida de um conhecimento supostamente superior, do qual você, pobre fiel, está irremediavelmente distante.
Não bastasse essa dependência, a figura do "pastor" reforça um modelo hierárquico que deixa o crente constantemente à mercê de uma narrativa alheia. A ignorância dos aspectos filosóficos e sociológicos subjacentes à fé faz parte do jogo. Questionar é desencorajado, porque o conhecimento pode colocar em risco a ordem estabelecida. Melhor deixar que as complexidades teológicas e as sutilezas históricas sejam manipuladas por quem sabe — ou melhor, por quem diz que sabe.
A ironia trágica dessa submissão é que o cristianismo, que proclama libertar o homem do jugo do pecado, acaba por aprisioná-lo dentro de uma gaiola dourada. Com sua narrativa de um paraíso distante e recompensas póstumas, ele amortece a ambição e a criatividade do espírito humano. A vida terrena é transformada em uma mera preparação para o além, e todo esforço para criar uma realidade próspera aqui e agora é rotulado como vaidade ou idolatria.
Por trás desse sistema de crenças, encontra-se um engenhoso mecanismo de controle. A resignação é celebrada como virtude, e a obediência cega, como devoção. Essa estratégia tem a vantagem de perpetuar o status quo, garantindo que as estruturas de poder permanecem intactas. Afinal, por que buscar justiça social ou prosperidade material se "meu reino não é deste mundo"? Aceite seu destino. Submeta-se à vontade divina — ou melhor, à vontade daqueles que interpretam essa vontade por você.
O cristianismo ensina a humildade como uma virtude suprema, mas, no processo, apaga a centelha de poder que reside em cada um. A ideia de que apenas o Criador é digno de adoração suprime a criatividade e a força transformadora dos indivíduos. A possibilidade de usar o poder da intenção para moldar a própria realidade é descartada como heresia. E assim, o crente, mesmo sem perceber, é programado para ser um mero espectador na grande peça da existência.
Enquanto os pastores se ocupam em acumular suas próprias riquezas aqui, exortam suas ovelhas a abrir mão das delas. A incoerência é óbvia, mas poucos ousam questioná-la. Quem desafia a narrativa corre o risco de ser rotulado como rebelde, herege, ou pior: perdido. E assim, muitos preferem o conforto da conformidade, evitando as dores da liberdade que exige responsabilidade.
Em suma, a narrativa cristã, ao insistir em que a verdadeira riqueza está no além, impede que o indivíduo reivindique sua soberania aqui e agora. Ao se submeter a esse discurso, o ser humano abdica de seu poder criador, aceitando viver como ovelha em vez de leão. Talvez, no fim das contas, a maior vitória do cristianismo tenha sido convencer suas ovelhas de que ser guiado é o maior dos privilégios.
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